domingo, 26 de dezembro de 2010

"Café, um conto"

Naquele dia havia terminado minhas obrigações mais cedo do que de costume.
Resolvi sair em busca de um café.
No começo não sabia exatamente se queria um italiano, um brasileiro, capuccino, espresso, coado, enfim. Mas resolvi tentar mesmo assim.
Primeiro passei numa lanchonete, depois num restaurante, e até em uma cafeteria, mas não tive sucesso.
Experimentava todos os tipos que achava, mas não encontrava aquele que satisfaria minha procura.
Os minutos passavam e uma angústia aumentava dentro de mim, as vezes me sentia numa corrida contra o tempo, lutando cada vez mais para encontrar, antes que alguma contagem regressiva imaginária terminasse.
As pessoas passavam em volta, pareciam não sentir o mínimo de empatia comigo. Aposto que estavam entretidas com os modelos prontos.
E pareciam felizes com isso! Como alguém pode ser feliz sem ter seu próprio café? Acredito que depois de um café gelado, ou um capuccino qualquer, tenham se contentado com a busca, se é que se houve uma.

Eu nunca havia me sentido isolado e tão sozinho no meio de tanta gente.
As nuvens se dissipavam e de alguma forma não parecia haver saída. O mundo continuava indiferentemente à minha situação.
Eu tinha medo de que não houvesse um café pra mim.
O dia anoitecia e eu me sentia mais cansado do que em qualquer outro momento, estava quase desistindo, mas de alguma forma, aquela esperança que me sobrou era a única coisa que me apoiava, que me fazia ficar de pé; apesar de que se eu parasse para pensar por 5 minutos que fossem, sabia que era algo superficial, otimismo puro.
Nessas horas já havia até me esquecido quais eram meus próximos planos, não lembrava exatamente se havia marcado de encontrar um amigo logo depois, ou dali uma semana.

De repente tive uma epifania e atravessei a cidade inteira para ir num lugar que havia ido uma vez, muito tempo atrás.
Era uma bebida razoável e eu havia me contentado com isso.
Mas será que eu me contentaria com algo razoável?
Será que deixaria de lado algo tão importante para mim?
E desde quando minha busca tinha como objetivo uma satisfação razoável assim?

Não sei a partir de que momento deixei algo que elegi tão importante e essencial para mim, para que um simples cansaço ou coisa assim, algo tão ínfimo, absolutamente o oposto de lutar com todas as forças e vontades para que chegasse próximo do desejado; me fizesse simplesmente me contentar com absolutamente algo diferente do que inicialmente havia sonhado.
A cidade já começava a dormir quando eu estava longe de ficar com a mente limpa.
Mas acho que foi nos meus últimos minutos quando pensei sobre o que era pior, se era o medo de conseguir e não corresponder com o esperado ou se era a preguiça que surgira através das dificuldades.

Depois disso resolvi fechar os olhos e decididamente desejava esquecer disso tudo logo.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

"Sorriso"

Sentei-me no ônibus.
Distraído com a paisagem urbana-cotidiana, demorei para perceber um grupo de pessoas que dividiam o transporte coletivo comigo.
Pareciam próximas, mas no sentido de "conversamos como amigos porque dividimos uma classe" e que ao chegar no ponto exato, cada um seguiria sua vida. Mas um membro do grupo me chamou mais atenção do que os outros.
Era um rapaz de óculos, mas não condizia com o estereótipo de inteligente, porque a todo momento estava sorrindo. Mas era um sorriso diferente, os dentes encobertos pelo aparelho se apresentavam a todo momento.

Por mais que imaginasse não conseguia me enxergar no seu lugar. Felicidade perto dele, parecia algo banal, até surreal.
Será que ele já teve alguma tristeza? Ou ainda, será que ele abriu os olhos e viu o mundo em que vive?
Ele parece não valorizar o que poderia ser o "estado feliz", porque era tão comum, quanto os movimentos peristálticos do seu intestino.
E ao mesmo tempo parecia contraditório com o mundo em que compartilhamos, se alguém é assim, é porque tem alguma visão distorcida de mundo.

O mundo não é arco-íris e ursinhos, longe disso. As pessoas não satisfazem suas vontades, as pessoas tem sufocadas, inúmeras vezes, seu potencial humano. As pessoas sofrem.
Então comecei a sentir pena dele, por não conseguir aproveitar a felicidade no mundo.
Para mim, creio que a vida dele deve ser um tédio completo.

A vida e sua mágica está em se conseguir enxergar alguma felicidade no meio de tanto caos, de tanto sofrimento, miséria, enfim; ao invés da felicidade ser algo subestimado, e até encontrado em qualquer vitrine; nós poderíamos trabalhar para tal, valorizar.
Quem dera a visão dele - ainda que distorcida - seja melhor do que a minha.
Quem dera Prometeu não tivesse nos entregado o fogo.
Quem dera se não raciocinássemos e não tivéssemos angústia (o que pela primeira vez trouxe para algum ser, a consciência da morte).
Quem dera se fôssemos que nem ele.
Mas não somos.