quinta-feira, 25 de novembro de 2010

"Falante"

Mais uma viagem de ônibus.
Fiz questão de sentar-me na última fileira, onde tinha certeza que minha leitura e complacência, não seriam incomodadas.
Pareciam todos interessados com o almoço que viria e ao mesmo tempo com suas respectivas imagens perante os demais passageiros.

Minha mochila no banco ao lado, demonstrava que estava concentrado na leitura e que pretendia continuar assim até o final da viagem. Para ser mais indiscreto, só colocando um aviso "Pessoas são indesejadas". Eu não esperaria, mas não ligaria se aparecesse um marsupial querendo sentar ao meu lado.
Ele? Tudo bem.

Mas; no decorrer da viagem, em que páginas mais difíceis se confundiam com a vontade de comer, algo me chamou a atenção, uma voz incrível vindo de algumas fileiras a frente. Incrível, porque ela era incessante e não mudava de tom. Como alguém consegue falar no mesmo entediante tom o tempo inteiro?
Se eu tivesse a chance de dividir o itnerário com um serial killer, talvez fosse mais legal; porque a chance de acabar morto, era incrivelmente vantajosa em relação à chance de simplesmente continuar ouvindo aquela pessoa.

Mas enfim, a pessoa falou do começo ao fim sem parar, e eu pensava, como alguém tem tanto assunto para conversar, eu apostava e me agradava saber que era verdade, que a maioria dos assuntos do rapaz, eram assuntos dispensáveis.
Por que ele não faz um bem à humanidade e escolhe os assuntos antes de sair por aí falando sobre qualquer coisa?
Mas em certo momento, acabei me perguntando, será que a atitude dele, de sair falando por aí (ainda que sem pensar nas coisas), não era melhor do que a minha que no auge do trabalho mental, transcrevia algumas idéias para uma mísera folha de papel. Será que a misantropia chegou a tal ponto?

O muro imaginário que me cercava mostrava uma certa fragilidade quando eu pensava sobre isso.
Saber da existência dele me fazia rever conceitos.
Aquele espírito filosófico, curioso, queria ao mesmo tempo espiar por cima do muro, saber dos materiais que o compunham, e até testar sua resistência em certos casos.
De repente, uma pausa na divagação, apareceu alguém para sentar do meu lado.
Era uma garota bonita, suas roupas e seu jeito se elevavam do ordinário; mas ao mesmo tempo era mais uma.
Se eu até acreditasse em amor metafísico, naquele momento, poderia pensar, "é agora".
Ela se sentou.
E eu pensei em como me aproximar do jeito daquele rapaz que fala como se fosse morrer amanhã, mas ao mesmo tempo continuar me considerando um ser racional.
Mas aí me lembrei, o primeiro passo seria me apresentar, depois perguntar "tudo bem" mesmo sem realmente me importar com a pessoa, e começar com assuntos leves, mesmo que fossem tão entediantes quanto o passageiro falante.

Algo que parecia fácil era uma quimera.
Uma pessoa tão próxima de mim ao mesmo tempo estava tão distante, inúmeras convenções sociais nos amarravam e nos seguravam, estávamos sujeitos à inúmeras regras e burocracias que sufocavam nossas potencialidades humanas.
Minha solidão parecia razoável em relação à essas coisas.
Mas será que tinha que ser assim? Haveria outra pessoa disposta a colocar todos esses problemas em cheque também?
Ao fazer essas perguntas, verificava a solidez de meus argumentos, e comparando ao analisar com a realidade, percebi que o muro estava cada vez mais alto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário