quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A beleza dos dois lados da rua

Aquele dia eu acordei com uma sensação estranha. De início ela parecia inocente e como uma dor de corpo, um mau jeito, que teria sido causado durante o sono e iria embora assim que as primeiras horas passassem. Mas não foi bem isso o que houve.

Logo cedo depois de me arrumar para sair de casa não estava mais pensando nesta sensação, mas não se passaram mais do que 10 minutos após sair que o sentimento começou a reaparecer. No caminho diário que faço pelas ruas da cidade me deparava mais e mais com ele, e eu não sabia de onde poderia ter surgido tal desconforto.


Todo lugar que eu olhava encontrava algo que carregava um peso consigo, que tinha uma aparência empoeirada, que no fundo carregava uma tristeza que acompanhava essa sensação inexplicável. Todo detalhe que eu parava para observar, remetia a isto. Parecia que conforme os segundos e minutos iam passando, algo ia se apoderando de mim me fazendo uma pessoa diferente. 

Minhas mãos pareciam outra coisa, os dedos não tinham mais uma ponta, mas como se alongassem infinitamente e ultrapassassem objetos físicos e quando eu encostava em algo tinha uma aparência de ao tocar causar uma reação de dissolver em moléculas qualquer objeto que fosse. Tudo parecia tão leve quase evaporando.

E assim se passaram alguns dias em que quando eu tinha um tempo para parar e observar as coisas ao redor, sentia uma leveza que acompanhava, todo passo, todo ruído, toda respiração, todo batimento cardíaco, tudo se remetia a algo que eu não sabia bem o que era, mas sabia que estava ali o tempo todo me acompanhando. Eu estava mais atento às coisas ao meu redor, como se houvesse sido ligado uma chave em meu cérebro dizendo "acorda" e a partir daí comecei a ouvir e a observar de verdade.

E isso começou a me atormentar, porque eu não conseguia mais me distrair como antes, parecia que a qualquer momento algo maior iria acontecer. Eu só aguardava para que a Grande Mão do Destino me pegasse e arrastasse de onde eu estava, como se eu tropeçasse e ao levantar perceber que encontrei um lugar completamente diferente de onde estava. Quem sabe ai encontraria o fim desta pertubação.

Os dias se passaram e isso começou a se incorporar em minha pessoa aos poucos. Minha visão de mundo parecia mais dura. Quando eu conversava com alguns, parecia que minhas conclusões eram cada vez mais duras, lentas e tristes, justamente como estava sendo a vida naquele momento.

Até que como tudo na vida que acontece para ficar com você de forma profunda, no meio de um ambiente inesperado me veio outra sensação e pensamentos que se envolveram e me fizeram sair um pouco do lugar-comum que estavam sendo todos os instantes até então.

Em um mesmo local que passava diariamente, sempre encontrava uma flor que estava crescendo perto da calçada. Depois de alguns dias, de ter crescido e ficado bela, aconteceu algo que a arrancou do lugar onde estava e a fez ir murchando aos poucos, fazendo com que eu acompanhasse o auge e o declínio de sua vida pelos dias que passei observando as coisas.

E ali me bateu um questionamento. O sentimento era de uma revolta que me fazia pensar que a flor que era tão bela, não podia ter um definhamento que a fizesse perder tudo aquilo que ela tinha sido e a destacava da natureza. Não fazia sentido uma coisa dessas carregar tanta perfeição, tantos detalhes e beleza, existir, para então se definhar. Ela merecia viver para sempre, como muitas coisas na vida que se enxergamos dentro de uma imagem maior, um contexto diferente, paramos para pensar: "qual o propósito de tudo afinal?" Pelo menos não parecia minimamente justo acontecer da forma que estava acontecendo. Naquele momento tive vontade de fazer como Prometeu e me levantar contra os deuses. A condição humana e a condição existencial pareciam tão fugaz.

Mas então comecei a pensar que talvez o que causasse esse sentimento de revolta fosse a própria imagem maior das coisas. Enxergando a vida no planeta e o tempo que a Terra e o Universo têm, parecia injusto. E o que talvez precisava ser feito era diminuir essa imagem que emoldurava o raciocínio e me aproximar dos detalhes, justamente como fiz com a flor, quando parei e observei ela. Só que eu não podia dar o segundo passo e me distanciar novamente para enxergar uma falta de sentido, talvez o sentido estivesse ali mesmo, no asfalto e na raíz.

Depois percebi que a beleza da flor só era considerada tão importante justamente por ela não durar para sempre. Se ela durasse talvez nem fosse considerada importante por nós. A beleza dela era injusta se comparada a longo prazo, por causa do definhamento, mas o curto prazo é que deveria ser observado. Mudando a perspectiva eu conseguia entender melhor mas ainda não conseguia mudar algo que era a tristeza que acompanhava tudo.

E agora algo começou a tomar conta da minha cabeça, além de entender um pouco mais do mundo ao redor, diferentemente de antes, não enxergava e sentia uma experiência de vida que era leve mas sim, pesada. Toda respiração, todo passo e todo movimento, seja da natureza ou nosso, não mais se dissolveria em moléculas mas agora tinham um propósito. Tudo o que fazemos ecoa no próximo e então tudo é tão pesado, tudo é tão conectado e emaranhado com os demais que um simples gesto não pode ser encarado como leve.

No meio desses pensamentos cheguei à conclusão em uma de minhas caminhadas. Logo em seguida reparei do outro lado da rua algumas pessoas em um ponto de ônibus. Elas não se conheciam mas reparei que algumas pessoas velhas sorriam para outras adolescentes. E esses jovens não correspondiam, mas entre eles, haviam também muito sorriso, me indicando ser mais em relação à falta de jeito que o adolescente tem com os mais velhos do que qualquer outra coisa, eram demonstrações contidas.

E então o meu problema com a tristeza parecia que estava se colocando em cheque, já não parecia mais tão concreto como antes. Ao mesmo tempo que o definhamento natural das coisas as deixavam mais feias, parecia que a tristeza não estava necessariamente conectada à todo momento, ou melhor, que a felicidade tinha algum espaço no meio disto tudo. Todo lado da rua para que eu me voltava eu encontrava paixão. Era uma paixão pela vida que eu não havia enxergado como antes e tudo se tornava mais claro, brilhante e vivo e o definhamento se tornou belo. Trágico, mas belo. Aquela raiva que eu senti já aparentava outra coisa, uma inveja da beleza e da condição existencial que conseguia ser definhadora e ao mesmo tempo bela. Uma tristeza feliz.

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