sábado, 18 de maio de 2013

Reticências

Desde que o rapaz começou a se formar como ser pensante e as responsabilidades do mundo foram caindo sobre ele, foi percebendo a fugacidade da vida e o sentido que temos que dar à ela. Assim, foi tendo contato com livros e livros em uma esperança inicial de aprender, mas também de entender o mundo, através da Sociologia e da Filosofia por exemplo. É aquela sensação de que estamos desbravando a selva e no fim encontraremos aquele tesouro tão cobiçado por todos. Uma essência intacta das coisas.

Aos poucos a existência foi começando a tomar um corpo objetivo e as discussões tinham um propósito maior. As argumentações ficavam cada vez mais concisas e concretas e as conversas falavam sobre ações, condições e resultados. Era tudo muito orgânico dentro deste contexto, mas ainda faltava uma vida a pulsar nestas palavras que saiam dos papéis amarelados do sebo.


A partir daí, com a construção de repertório se produzindo como num campo fixo das ideias, parecia que precisava se mover, havia uma necessidade de algo mais. E foi aí que a Filosofia começou a procurar uma forma de se renovar e se aplicar; até que encontrou a Arte.

Quando pegou um primeiro livro literário, o rapaz não teve a sensação de ser maior e de desbravar a selva. Mas sentiu que algo internamente, uma coisa que a descrição se limita, estava se movendo. O livro atingia de uma forma que até então ele não havia sido tocado. Mas diferentemente, foi subjetivo e ao invés de concreto, tinha muito de abstrato nisso.

Depois da formação de referências e repertório, ele começou a encontrar um lugar novo para tatear. O que era diferente, é que ele não mais conseguia explicar e as vezes, não encontrava resposta em lugar algum para falar de algumas coisas da Arte, ou melhor, do que ela causava nele.

Ele que já era uma pessoa questionadora desde pequeno, e entendia que não conseguiria compreender o mundo de uma só vez, sempre foi meio calado e deixava para falar quando fosse o momento que sentisse necessidade, fazendo comentários pontuais e expressando aos poucos essa inquietação que partia de seu âmago.

E então começou a experimentar a Arte. Demorou mas começou a encontrar um sentido dentro deste campo. Ele percebia que a pluralidade das pessoas, gerava uma pluralidade de resultados na arte e sentia que isso continha uma beleza, mas que ainda soava como experimental ou arriscado para ele próprio. Ao mesmo tempo, quando tentou produzir arte, sentia que ali ele conseguia fazer a parte essencial que era se expressar, mas as vezes não conseguia se auto analisar e perceber se estava fazendo um caminho correto ou não. Para ele, não existir um caminho correto parecia algo extremamente estranho.

E nisso ele começou a se isolar e a produzir a sua arte. Para uma pessoa que já não fala muito, isso foi fatal. Ele já ouvia bastante música e se deixava levar por aquela sensação de condução que ela dava aos pensamentos dele, mas acabou arriscando com o que seria uma das coisas mais complicadas pra ele. Lidar com o próprio silêncio.

Se a Filosofia, tão questionadora em sua essência, começou a encontrar uma barreira na Arte, que também era tão questionadora quanto, e percebeu que ambas conversavam, o rapaz começou a entrar em parafuso. Na procura de se auto renovar como expressão subjetiva e estética, ele começou a questionar as formas. Ele percebia as vezes que caia num relativismo, mas as vezes parecia que a única saída era ali.

Foi isso que o deixou mal. Ele que tanto procurou um sentido e começou a encontrar em suas leituras, começou de novo e ser deixado em um quarto escuro. Começou a perder o sentido das coisas e as vezes não via nem razão para se expressar. Até para falar as vezes.

Ele que tinha tanto para se expressar começou a perceber que a vontade era tanta que se tornava um silêncio. Um silêncio que muitas vezes gerava um mal estar nele próprio, porque em tese era a própria oposição de qualquer tipo de expressão. Ao mesmo tempo, era a única expressão que ele estava conseguindo lidar e se reconhecer.

Assim quando ele foi conversar com uma amiga, ela que falava muito mais do que ele próprio, lhe falou seus sentimentos e ele julgou ter entendido. Mas depois na própria conversa foi questionado por ela e percebeu que na verdade, ela queria expressar justamente o oposto. E ele percebeu que as palavras dela, não eram como as dos livros. Ela era um ser humano de carne e osso e o que queria dizer não era tão claro e evidente como uma exposição trabalhada meses à fio.

Ela tinha tanto para expressar, mas quando soltava as palavras, pareciam tão carentes de significado, tão simples e irrisórias. E ele começou a se reconhecer nisso. Começou a perceber que ela que tinha tanto internamente, transbordava, da mesma forma que ele se sentia antes ao procurar alguma expressão que fosse capaz de dar conta de tudo o que estava passando em sua cabeça.

Assim suas conversas com ela, começaram a ficar instigantes. Dentro da proposição de que ambos tinham muito mas pela própria questão da subjetividade interna, ao se relacionar e proporcionar um caminho ao externo, essa expressão perdia força e ia se perdendo no ar. Então na hora que os dois iam conversar, ambos se olhavam e se reconheciam como seres que transbordavam sentimentos. 

Mas no segundo seguinte, em que começavam a exteriorizar, essa sensação tão íntima e pessoal, ia se diluindo. Ele nunca conseguiu demonstrar para ela, o ânimo de vida que tinha, para ela, ele era um "depressivo". Mas ao mesmo tempo, ela nunca conseguiu descrever para ele, a dor que tinha em seu âmago, e para ele, a confusão vinda disto, parecia ser a dor, quando não era a dor em si.

E eles foram tentando. Ora conseguiam se sentir minimamente satisfeitos com o que expressaram, ora conseguiam se sentir completamente desgastados.

Até que um momento novo chegou e eles que estavam transbordando, de novo, resolveram dar um passo além das palavras. Ela resolveu tocar o seu rosto e ele entendeu o toque e lhe deu um abraço. Aquilo para eles foi tudo, no sentimento de compaixão que estava contido ali, sem necessariamente pender para qualquer outra coisa além disso. E assim foi. Eles não precisavam dizer mais nada, porque a expressão do abraço continha tanta confusão, sentimento de amor e ódio, de tristeza e felicidade que ele bastava por si só. E voltaram ao que ele havia encontrado lidando com os livros. Encontraram o silêncio que tanto limita as palavras mas ao mesmo tempo potencializa infinitas possibilidades. 

Nas reticências que são tão assustadoras porque não são concretas, encontraram aquilo que se aproximava do próprio motor do viver deles. Aquilo que ninguém conseguia descrever mas que num simples gesto de respirar transparecia constantemente. Aquilo que estava além do véu de Maya das aparências do mundo e que ninguém descrevia, mas só sentia. Ali estava a própria vida e não sobrou nada para descrevê-la além do silêncio, que apesar de obscuro, continha inúmeras possibilidades.

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