O rapaz vivia sua vida
cotidiana fazendo suas ações de forma medíocre, enquanto dentro de
sua mente se deixava viajar e transformar realidades. Ali era um
espaço que ninguém perturbava e ele era livre.
Para ele tudo era muito
internalizado e somente ali parecia que as coisas em geral ganhavam
força e eram mais belas do que nunca. Como já dizia um pensador
alemão, ficar sozinho com os próprios pensamentos era algo para
poucos afortunados desta vida. Muitos passam uma vida fugindo dessa
experiência enquanto ele parecia querer isso mais do que tudo.
Desta forma, a
interação social era algo mais difícil de se experimentar, para
ele. Todo gesto, toda palavra, todo detalhe ao qual ele não se
atentava falando para si próprio, tornava-se tão ou mais importante
ao interagir com um outro alguém.
O que mais acontecia
então, eram sequências de tropeços ,e no fim, ele expressando algo
com as palavras mas a pessoa do outro lado, entendendo completamente
errado, as vezes, completamente o oposto do que ele queria dizer. E
esse pensamento o paralisou.
Ele não sabia mais
como agir e as vezes estava envolto tanto dessa preocupação que
deixava cada vez mais de falar. Nesse movimento acabou se afastando
mais ainda das pessoas, até que uma amiga resolveu ir atrás e saber
dele.
ELA (bate em sua porta)
Sou eu aqui fora tá?
Não saio até você me atender poxa!
ELE (sentado no sofá
começa a ficar inquieto, desconfortável e resolve ir atender a
porta, sem jeito. Abre a porta)
Oi
ELA (com uma expressão
preocupada)
Oi. Como você tá? Por
favor me fala o que tá acontecendo de uma vez. Já te liguei algumas
vezes e cê não me retorna as ligações.
ELE (com um ar
desanimado)
Ah, não aconteceu
nada. Só estou e sempre estive aqui. Melhor você entrar, não vamos
conversar aqui na porta.
(Os dois entram)
ELA (não espera
indicações dele e vai se sentando no sofá. Mal espera ele se
sentar e vai logo perguntando)
Você tá triste é?
ELE (dá com os ombros)
Não sei. Talvez.
ELA (começa a ficar
pensativa)
A gente costumava ser
tão amigos... Nós discutíamos assuntos e saímos a noite para dar
risada. Lembra aquela vez que a gente foi na balada e ficou
conversando a noite inteira enquanto a gente fumava?
ELE (esboça um sorriso
nostálgico)
Sim
ELA (questiona ele e
quase fica indignada)
Então. Você não tem
saudades? Não acha que a vida é mais do que isso aqui?
ELE (desanimado)
Eu queria que a vida
fosse mais do que isso mesmo..
ELA (se acalma mas
continua com um ar preocupado)
Tem hora que eu não
sei se conheço a pessoa que estou conversando aqui na minha frente.
Você parece mais apagado, sei lá.
ELE (dá de ombros)
…
ELA (começa a ficar
mais séria)
Cara, vim até aqui que
é pelas nossas conversas. A gente dividia tanta coisa íntima um pro
outro. Senti que tinha essa obrigação de amiga vindo até aqui. Mas
não sei se sei quem é você agora. Gostaria de saber quem é você.
ELE (tentando fazer uma
brincadeira para quebrar o gelo)
Eu acho que sou a mesma
pessoa. Só que mais triste só.
ELA (permanece séria)
Não tem graça. Eu me
preocupo demais com aquele cara que era meu amigo e que a gente
dividia as coisas.
ELE (desanimado
novamente)
Ah. Desculpa. Tive uns
pensamentos ruins esses dias mas não queria te encher a cabeça com
essas coi..
ELA (antes que ele
terminasse a frase)
Não começa com esse
discurso de auto-depreciação! Pode ir falando que não me atrapalha
em nada.
ELE (começa a
estruturar um pensamento, fica mais centrado e sério, no fim começa
a gesticular bastante)
Bom.. Acho que caiu a
ficha que a vida é muito curta e que ela não tem muito sentido
mesmo.. Teve um dia que achei que ia morrer aqui e que ninguém ia
saber. Achei isso tão triste. E ainda que se soubessem só iam ficar
preocupados com as agendas e o horário do velório e do enterro.
Fiquei pensando na cabeça das pessoas, como elas são confusas!
ELA
Esse tipo de questão a
gente sempre discutiu. Só queria saber porque você não falou mais
comigo esse tempo.
ELE
Foi um sentimento de
solidão. E também porque comecei a ver que tudo o que eu percebia
da vida real era externo à minha pessoa. Mas isso implica que eu não
conseguia realmente interagir com essa vida, que era completamente
alheia. E daí meus pensamentos expressavam muito mais do que as
minhas palavras e gestos e eu acabei ficando na minha e acho que isso
foi me fazendo ficar quieto e calado cada vez mais. Fiquei uns dias
sem sair de casa. Teve um dia que praticamente não sai da cama.
ELA
Tá. Isso tudo é muito
preocupante e triste. Mas o que isso tem a ver com a gente?
ELE
É que nesse sentimento
me veio que eu conseguia me expressar da forma mais clara
internamente. E por outro lado, o que eu conseguia extrair do mundo
externo para dentro de mim, era diferente. No campo da admiração.
Tudo parecia tão lindo! Mesmo eu estando triste pra caramba... As
vezes parecia que se eu tocasse em algo aquilo podia se desmanchar.
Daí eu preferia não interferir em nada e manter minha admiração
como principal.
ELA
Como assim?
ELE (fala de uma forma
completamente natural)
Eu te achava muito
linda.
ELA (fica sem jeito)
Não sei se entendi...
ELE
Eu também acho que
não. Mas daí entendi internamente tudo isso que comentei.
ELA (começa séria mas
termina com uma leve brincadeira)
Mas parar de falar
comigo porque me acha linda? Apesar de eu discordar desta palavra
associada com a minha pessoa, haha
ELE (esboça um leve
sorriso que logo volta para a aparência cansada)
Boba.
ELA
Mas então. Por que se
afastou?
ELE
Não sei. Senti que
fosse o mais sensato dentro de tudo isso que eu te falei. Não queria
te machucar.
ELA
Mas quem disse que ia
me machucar?
ELE
Sei lá. Ninguém.
ELA (dá um sorriso “eu
estava com razão”)
Exato.
ELE
Sei lá.. Ou eu te
machucaria falando algo com uma intenção e chegando outra
completamente diferente em você. Ou eu teria que encontrar novas
formas de me expressar. E então, escolhi o caminho do afastamento e
do silêncio.
ELA
Mas perceba onde você
quer chegar com isso. Com seu afastamento e silêncio, você não só
se afastou de mim e a gente parou de ter aquelas conversas
filosóficas ótimas, que eu adoro. Mas você também deixou isso te
afastar de tudo, até da vida. Não acha?
ELE
Acho que sim.
ELA
E você mesmo disse.
Seria uma tristeza enorme se você ficasse sem sair de casa e aí
ninguém soubesse que você morreu.
ELE
Muito triste...
ELA
E não acha que a
partir disso você deveria tomar uma atitude? Para que esse tipo de
coisa não aconteça.
ELE (pensativo)
Acho que você tem
razão. Mas não sei como. Sabe, pensei naquilo que te disse. Talvez
encontrar um jeito de não me frustar. Quando pensei na gente e
naquela outra forma de me expressar, que eu não sabia qual, talvez a
gente pudesse sair para dançar um dia desses. Mas não dançar cada
um na sua e realmente haver uma comunicação entre a gente.
ELA (com uma expressão
leve de surpresa)
Essa seria realmente
uma nova forma de se expressar!
ELE (do mesmo jeito
pensativo)
E quem sabe aí. Tocar
num ponto mais afastado do intelecto eu conseguisse expressar esse
algo interno que é caótico. Nossos pensamentos são tão caóticos
né?
ELA (tira um sarro)
É. Você já disse
isso das outras pessoas.
ELE
É... Mas estou falando
da gente agora.
ELA (volta a ficar
séria, mas ainda descontraída)
Mas é, eu sei. Também
acho que nossos pensamentos são muitas vezes confusos. Acho que está
na hora de descobrir um pouco mais deles. Como será que surgiu esse
pensamento por exemplo?
ELE (diz de uma forma
completamente natural)
O meu pensamento de
admiração por você surgiu um dia que a gente tava conversando e
bateu um vento no seu rosto, você ficou levemente corada e seu
cabelo balançou naturalmente e de uma forma descontraída. Ali eu
senti uma paz interna. A mistura de tudo isso me fez chegar onde te
contei.
ELA (fica um pouco sem
graça)
… Você quer me
deixar sem graça? Tava perguntando sobre tudo.
ELE
E eu estava respondendo
ué. Você quer ouvir minhas palavras sinceras ou acha que eu fico
falando coisas pra te elogiar? Realmente acha que eu seria desses?
ELA
É. Tá certo.
Continue...
ELE
É mais ou menos isso.
Me deparei com tanta beleza e bem-estar que pensei que se eu me
mexesse podia esbarrar algo, derrubar e quebrar.
ELA
Haha, você não ia me
quebrar.
ELE
Você não sabe...
ELA
Eu sei.
ELE
A gente sempre foi de
conversar. Será que ia funcionar, por exemplo, te dar um abraço?
ELA
Sei lá. Talvez.
ELE
Como assim?
ELA
Desculpa. É que estou
tão acostumada com as cantadas em geral que as vezes esqueço e
reajo de forma automática na defensiva. As vezes esqueço como é um
comentário realmente sincero desse.
ELE
É isso que eu te falo.
Minhas palavras estão todas embasadas internamente. Pra mim faz
muito sentido o que eu falo dentro de mim. Mas o que chega em você?
Depende da sua experiência com outras pessoas, com a tua criação
na família, e depende até se você tem o costume do abraço, senão
pode estranh...
ELA (antes que ele
terminasse)
Me abraça logo vai.
E neste momento os dois
mudaram de opinião e se entenderam. Ele começou a sentir uma paz
que não sentia há tempos e resolveu que queria viver novamente. E
ela não se preocupava mais com ele, sentiu segurança e esperança
nos passos que ele daria dali em diante.
Os dois terminaram o
abraço depois de uns minutos e cada um voltou para onde estava
antes. Ela estava com o olho levemente aguado e contida. Ele estava
sorrindo um sorriso tímido. Ambos se olharam fixamente e não
disseram mais nada.
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