quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Aquilo que não se diz

O rapaz vivia sua vida cotidiana fazendo suas ações de forma medíocre, enquanto dentro de sua mente se deixava viajar e transformar realidades. Ali era um espaço que ninguém perturbava e ele era livre.

Para ele tudo era muito internalizado e somente ali parecia que as coisas em geral ganhavam força e eram mais belas do que nunca. Como já dizia um pensador alemão, ficar sozinho com os próprios pensamentos era algo para poucos afortunados desta vida. Muitos passam uma vida fugindo dessa experiência enquanto ele parecia querer isso mais do que tudo.

Desta forma, a interação social era algo mais difícil de se experimentar, para ele. Todo gesto, toda palavra, todo detalhe ao qual ele não se atentava falando para si próprio, tornava-se tão ou mais importante ao interagir com um outro alguém.

O que mais acontecia então, eram sequências de tropeços ,e no fim, ele expressando algo com as palavras mas a pessoa do outro lado, entendendo completamente errado, as vezes, completamente o oposto do que ele queria dizer. E esse pensamento o paralisou.

Ele não sabia mais como agir e as vezes estava envolto tanto dessa preocupação que deixava cada vez mais de falar. Nesse movimento acabou se afastando mais ainda das pessoas, até que uma amiga resolveu ir atrás e saber dele.

ELA (bate em sua porta)
Sou eu aqui fora tá? Não saio até você me atender poxa!

ELE (sentado no sofá começa a ficar inquieto, desconfortável e resolve ir atender a porta, sem jeito. Abre a porta)
Oi

ELA (com uma expressão preocupada)
Oi. Como você tá? Por favor me fala o que tá acontecendo de uma vez. Já te liguei algumas vezes e cê não me retorna as ligações.

ELE (com um ar desanimado)
Ah, não aconteceu nada. Só estou e sempre estive aqui. Melhor você entrar, não vamos conversar aqui na porta.

(Os dois entram)

ELA (não espera indicações dele e vai se sentando no sofá. Mal espera ele se sentar e vai logo perguntando)
Você tá triste é?

ELE (dá com os ombros)
Não sei. Talvez.

ELA (começa a ficar pensativa)
A gente costumava ser tão amigos... Nós discutíamos assuntos e saímos a noite para dar risada. Lembra aquela vez que a gente foi na balada e ficou conversando a noite inteira enquanto a gente fumava?

ELE (esboça um sorriso nostálgico)
Sim

ELA (questiona ele e quase fica indignada)
Então. Você não tem saudades? Não acha que a vida é mais do que isso aqui?

ELE (desanimado)
Eu queria que a vida fosse mais do que isso mesmo..

ELA (se acalma mas continua com um ar preocupado)
Tem hora que eu não sei se conheço a pessoa que estou conversando aqui na minha frente. Você parece mais apagado, sei lá.

ELE (dá de ombros)

ELA (começa a ficar mais séria)
Cara, vim até aqui que é pelas nossas conversas. A gente dividia tanta coisa íntima um pro outro. Senti que tinha essa obrigação de amiga vindo até aqui. Mas não sei se sei quem é você agora. Gostaria de saber quem é você.

ELE (tentando fazer uma brincadeira para quebrar o gelo)
Eu acho que sou a mesma pessoa. Só que mais triste só.

ELA (permanece séria)
Não tem graça. Eu me preocupo demais com aquele cara que era meu amigo e que a gente dividia as coisas.

ELE (desanimado novamente)
Ah. Desculpa. Tive uns pensamentos ruins esses dias mas não queria te encher a cabeça com essas coi..

ELA (antes que ele terminasse a frase)
Não começa com esse discurso de auto-depreciação! Pode ir falando que não me atrapalha em nada.

ELE (começa a estruturar um pensamento, fica mais centrado e sério, no fim começa a gesticular bastante)
Bom.. Acho que caiu a ficha que a vida é muito curta e que ela não tem muito sentido mesmo.. Teve um dia que achei que ia morrer aqui e que ninguém ia saber. Achei isso tão triste. E ainda que se soubessem só iam ficar preocupados com as agendas e o horário do velório e do enterro. Fiquei pensando na cabeça das pessoas, como elas são confusas!

ELA
Esse tipo de questão a gente sempre discutiu. Só queria saber porque você não falou mais comigo esse tempo.

ELE
Foi um sentimento de solidão. E também porque comecei a ver que tudo o que eu percebia da vida real era externo à minha pessoa. Mas isso implica que eu não conseguia realmente interagir com essa vida, que era completamente alheia. E daí meus pensamentos expressavam muito mais do que as minhas palavras e gestos e eu acabei ficando na minha e acho que isso foi me fazendo ficar quieto e calado cada vez mais. Fiquei uns dias sem sair de casa. Teve um dia que praticamente não sai da cama.

ELA
Tá. Isso tudo é muito preocupante e triste. Mas o que isso tem a ver com a gente?

ELE
É que nesse sentimento me veio que eu conseguia me expressar da forma mais clara internamente. E por outro lado, o que eu conseguia extrair do mundo externo para dentro de mim, era diferente. No campo da admiração. Tudo parecia tão lindo! Mesmo eu estando triste pra caramba... As vezes parecia que se eu tocasse em algo aquilo podia se desmanchar. Daí eu preferia não interferir em nada e manter minha admiração como principal.

ELA
Como assim?

ELE (fala de uma forma completamente natural)
Eu te achava muito linda.

ELA (fica sem jeito)
Não sei se entendi...

ELE
Eu também acho que não. Mas daí entendi internamente tudo isso que comentei.

ELA (começa séria mas termina com uma leve brincadeira)
Mas parar de falar comigo porque me acha linda? Apesar de eu discordar desta palavra associada com a minha pessoa, haha

ELE (esboça um leve sorriso que logo volta para a aparência cansada)
Boba.

ELA
Mas então. Por que se afastou?

ELE
Não sei. Senti que fosse o mais sensato dentro de tudo isso que eu te falei. Não queria te machucar.

ELA
Mas quem disse que ia me machucar?

ELE
Sei lá. Ninguém.

ELA (dá um sorriso “eu estava com razão”)
Exato.

ELE
Sei lá.. Ou eu te machucaria falando algo com uma intenção e chegando outra completamente diferente em você. Ou eu teria que encontrar novas formas de me expressar. E então, escolhi o caminho do afastamento e do silêncio.

ELA
Mas perceba onde você quer chegar com isso. Com seu afastamento e silêncio, você não só se afastou de mim e a gente parou de ter aquelas conversas filosóficas ótimas, que eu adoro. Mas você também deixou isso te afastar de tudo, até da vida. Não acha?

ELE
Acho que sim.

ELA
E você mesmo disse. Seria uma tristeza enorme se você ficasse sem sair de casa e aí ninguém soubesse que você morreu.

ELE
Muito triste...

ELA
E não acha que a partir disso você deveria tomar uma atitude? Para que esse tipo de coisa não aconteça.

ELE (pensativo)
Acho que você tem razão. Mas não sei como. Sabe, pensei naquilo que te disse. Talvez encontrar um jeito de não me frustar. Quando pensei na gente e naquela outra forma de me expressar, que eu não sabia qual, talvez a gente pudesse sair para dançar um dia desses. Mas não dançar cada um na sua e realmente haver uma comunicação entre a gente.

ELA (com uma expressão leve de surpresa)
Essa seria realmente uma nova forma de se expressar!

ELE (do mesmo jeito pensativo)
E quem sabe aí. Tocar num ponto mais afastado do intelecto eu conseguisse expressar esse algo interno que é caótico. Nossos pensamentos são tão caóticos né?

ELA (tira um sarro)
É. Você já disse isso das outras pessoas.

ELE
É... Mas estou falando da gente agora.

ELA (volta a ficar séria, mas ainda descontraída)
Mas é, eu sei. Também acho que nossos pensamentos são muitas vezes confusos. Acho que está na hora de descobrir um pouco mais deles. Como será que surgiu esse pensamento por exemplo?

ELE (diz de uma forma completamente natural)
O meu pensamento de admiração por você surgiu um dia que a gente tava conversando e bateu um vento no seu rosto, você ficou levemente corada e seu cabelo balançou naturalmente e de uma forma descontraída. Ali eu senti uma paz interna. A mistura de tudo isso me fez chegar onde te contei.

ELA (fica um pouco sem graça)
… Você quer me deixar sem graça? Tava perguntando sobre tudo.

ELE
E eu estava respondendo ué. Você quer ouvir minhas palavras sinceras ou acha que eu fico falando coisas pra te elogiar? Realmente acha que eu seria desses?

ELA
É. Tá certo. Continue...

ELE
É mais ou menos isso. Me deparei com tanta beleza e bem-estar que pensei que se eu me mexesse podia esbarrar algo, derrubar e quebrar.

ELA
Haha, você não ia me quebrar.

ELE
Você não sabe...

ELA
Eu sei.

ELE
A gente sempre foi de conversar. Será que ia funcionar, por exemplo, te dar um abraço?

ELA
Sei lá. Talvez.

ELE
Como assim?

ELA
Desculpa. É que estou tão acostumada com as cantadas em geral que as vezes esqueço e reajo de forma automática na defensiva. As vezes esqueço como é um comentário realmente sincero desse.

ELE
É isso que eu te falo. Minhas palavras estão todas embasadas internamente. Pra mim faz muito sentido o que eu falo dentro de mim. Mas o que chega em você? Depende da sua experiência com outras pessoas, com a tua criação na família, e depende até se você tem o costume do abraço, senão pode estranh...

ELA (antes que ele terminasse)
Me abraça logo vai.

E neste momento os dois mudaram de opinião e se entenderam. Ele começou a sentir uma paz que não sentia há tempos e resolveu que queria viver novamente. E ela não se preocupava mais com ele, sentiu segurança e esperança nos passos que ele daria dali em diante.

Os dois terminaram o abraço depois de uns minutos e cada um voltou para onde estava antes. Ela estava com o olho levemente aguado e contida. Ele estava sorrindo um sorriso tímido. Ambos se olharam fixamente e não disseram mais nada.

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