O
rapaz estava passando pelos meses mais individuais de um ano que foi
muito coletivo. Em linhas gerais foram dois momentos: um
relacionamento em que sentia que sua vida estava sendo doada em prol
de outra pessoa, e depois uma movimentação política, se fazendo
valer em prol de tantos outros.
No
primeiro momento, vivendo intensamente em um sentido teórico.
Acreditava fielmente naquilo que dizia e naquilo que o movia. Se
sentia bem e feliz com isso. Seus planejamentos futuros todos giravam
em torno disso. Até que a vida aconteceu para os dois e a
incompatibilidade foi-se fazendo cada vez mais aparente. A garota
acreditava que o que viveu era falso; e ele acreditou que viveu algo
verdadeiro atoa; ambos saíram enjoados.
Já
no segundo momento, voltou a exaltação da colocação teórica. Só
que o campo a ser aplicado deixou de ser puramente filosófico para
também encontrar a sociologia e ciência política. Tudo girava em
torno disso e só fazia sentido acreditar fielmente nisso. Eram
pensamentos e ações voltados para um planejamento futuro muito
concreto; muito parecido com aquele momento anterior.
Acontece
que a vida também aconteceu para isso e a poeira abaixo. Os ânimos
e ímpetos de ambos os momentos se esvaíram e escorreram. A figura
da alteridade, o reconhecimento da pessoa alheia, e sua relação com
ela que eram tão claros em ambos os momentos, perderam o sentido. Na
verdade muita coisa perdeu o sentido. E o niilismo encontrou um
cenário para prosperar.
O
rapaz estava vivendo um terceiro momento, mas que achava difícil de
classificar, porque todas as referências que ele tinha, eram
absurdas para aquele momento atual. O mundo ficou absurdo; e sua
existência, mais ainda.
Ele
andava na rua e enxergava os passos que dava. O final da rua se
tornava quase abstrato, até o ponto que alcançava-o e dava de cara
com algo concreto e real. Ele tinha que fazer um esforço para fugir
da abstração, porque parecia que o mundo cada vez mais se abstraia
e se tornava poeira estelar. Tudo se dissipava no ar.
Ele
começou a ter cada vez mais e mais dúvidas. Não sabia mais o que
pensava das coisas, e se pensava, por que pensava. No fundo sentia
que caiu numa armadilha e que teria que trabalhar um jeito de sair
dela. “Só podia ser planejamento maligno de alguém.”
A
dúvida era tanto que ele começou a se sentir afastado de tudo. E de
todos. A humanidade virou uma categoria abstrata e externa. Ele
estava se sentindo um estrangeiro no meio da multidão.
Mas
as vezes vinha uma vontade de escrever e transpirar algo que ele
sentia ser real e interno. E isso foi diminuindo junto com o resto
das coisas que ele sentia. Ele sentia saudade de escrever. Antes
tinha o que sentir, hoje, já nem sabia o que sentia.
Até
que ele leu um pequeno conto na internet. Era uma pessoa que ele não
conhecia direito, havia até cometido uma gafe um dia com ela e sabia
quem era a pessoa, só não tinha muito contato. O texto tinha um tom
tão poético e criativo que o fazia lembrar dos escritos anteriores
dele. Era uma expressão tão sincera, interna e real, que o fez
lembrar do tempo em que ele vivia. Mas vivia no sentido de respirar,
transpirar, suar e suspirar. Ah, o suspiro.
O
suspiro foi o que ele sentiu aquela noite que foi chamado para sair
com algumas amigas. Ele estava em um momento tão enclausurado que
inicialmente se sentiu sortudo e lisonjeado de ter sido chamado.
“Eu?” pensou.
Saiu,
e se sentiu ainda desconectado das pessoas, mas ali, nos detalhes,
nos gestos, nas risadas, começou novamente a lembrar e sentir uma
nostalgia de algo além. E todas pareceram garotas belíssimas pra
ele e ele não sabia o que estava fazendo ali.
Novamente,
se afastando de um ser que respira, enxergou o seu redor com
categorias abstratas. Ele não estava ali, mas era sujeito-que-vê. E
elas transpiravam humanidade.
A
simpatia de uma, o senso de humor de outra e a criatividade de outra.
Tudo borbulhava humanidade. Ele ficou tão apreensivo que falou menos
ainda do pouco que já falava. Tinha medo de interferir e trazer o
niilismo que estava impregnado em sua cabeça. As vezes ele conseguiu
tirar uns sorrisos. Se sentiu alegre.
Naquela
noite, toda a estranheza que sentia internamente, a percepção de
mundo distorcida, ficou diferente. Ele encontrou humanidade naquela
mesa de bar. Mas como todo momento que tem seu fim, todos foram
embora juntos. Só ele que voltou para seu lugar. Pegou o carro,
virou para a direção de casa e foi. Chegou em casa, abriu a porta
do quarto, entrou e fechou. A janela estava aberta e antes de
fechá-la, pensou um pouco olhando para o céu.
Naquela
noite a janela ficou aberta. Naquele gesto ele sorriu. Naquele
suspiro ele sonhou um sonho que não sonhava há tempos. “Quem me
dera colocar em palavras esse sentimento de transbordar” pensou
antes de fechar os olhos pela penúltima vez. A última vez que
fechou os olhos foi dali meia hora. Teve que sentar e escrever um
texto, uma história, pra ninguém ler, que só servia para
transbordar uma sensação que ele tinha medo de perder.
Genial o seu texto! Sinto em mim este sentimento de "transbordar", é tão sem descrição que me intriga.
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