sábado, 24 de setembro de 2011

"Lágrimas transparentes"

Existem coisas que não percebemos ao nosso redor porque de certa forma esperamos depois de uma repetição que as coisas continuem acontecendo da mesma forma, e normalmente isso acontece dentro do contexto da rotina. O que eu tento fazer é, quando possível, fugir desse "olhar distraído" e tentar prestar atenção nos detalhes, porque conseguem ser belos, e também porque há muita coisa despercebida neste caos do ambiente urbano que leva à estagnação do olhar. 

Mas não é fácil, passa tanta coisa pela nossa cabeça e quando se percebe já se está dentro de uma situação que você não sabe bem porque foi parar lá e a partir daí você pode resolver redobrar sua atenção, mas pode ser tarde demais.

Eu estava no meu trajeto usual pela cidade quando passei por uma praça pública e havia acabado de desligar o fone de ouvido para ver se meus pensamentos clareavam, quando eu decidi reparar nos detalhes. E ali teve uma imagem que me dilacerou.

Era uma garota de idade por volta dos 18 anos, cabelo castanho, usava jeans e uma camiseta bege, com seu trejeito estilo de classe média que estava sentada em um banco com a cabeça abaixada e apoiada sobre a mão. De longe achei que fosse algo banal, mas me aproximando diminui o passo para reparar que ela tinha um celular fechado na outra mão e ela estava com a cabeça abaixada porque chorava.

Ao mesmo tempo que isso era extremamente triste para eu que observava, isso a tornava mais humana que todos ali afundados em suas rotinas. Como a praça ficava perto de um shopping minha cabeça chegou a especular se ela estava esperando alguém que ligou e a decepcionou, ou se ela recebeu uma ligação extremamente preocupante que a fez perder qualquer noção de tempo, mas de qualquer forma, a ligação e o celular pareciam relacionadas com uma garota que estava ali em seu mais puro sentimento sentada no banco.

Eu só fui terminar esse raciocinio quando já estava longe dela, porque ao passar por uma pessoa que está em seu cenário habitual você não percebe tudo de uma vez, mas aos poucos. E eu fui um desses que passei como se não tivesse percebido ela - apesar de ter - sem oferecer ajuda ou um calor que fosse nesse momento solitário dela.

E então eu comecei a pensar que a pessoa quando chora ela parece se libertar de algumas amarras sociais para poder expurgar e assim parece que se aproxima do seu eu verdadeiro que sente as coisas que vê, sendo no mais íntimo a essência do que vê no mundo. 

E dessa forma eu tentei começar a olhar mais para os que conheço e considero como importantes talvez esperando descobrir esse momento frágil esperando que pudesse ajudar. Isso porque eu sabia que no fundo todos tem seus motivos para chorar.

E então eu estava conversando com uma amiga que por motivos de rotinas, não conseguimos nos ver, o que faz isso transcender é a internet e assim nós temos nossas conversas íntimas através de telas de computador, mostrando que algo que afasta, aproxima. Assim eram nossas conversas e quando o acaso dos dias coincidiam, combinávamos de nos ver e fazer alguma coisa, tentar fugir da luz do monitor para uma luz mais natural.

Saímos um dia desses e ela em seu momento mais puro me confidenciou algo, me apresentou um filme que estava no cinema que lhe era importante e que lhe atingia de formas que não podia descrever. O que poderia fazer era me mostrar e deixar para que meu subjetivo entendesse da forma que desse.

Nós assistimos juntos e eu me senti tocado mas diferente dela, afinal, nossas experiências de vidas não se encontravam, cada um é formado especificamente e com suas características. Eu me emocionei e apesar de ela estar contida, reparei que lágrimas escorreram no seu rosto. Fiquei tocado por causa desse momento único que transcende toda relação humana que vemos na sociedade com frieza nas relações, que eu resolvi retribuir.

Fui mostrá-la na biblioteca um conto que quando o li fiquei tão emocionado por parecer estar descrevendo acontecimentos da minha realidade que logo depois havia prometido para eu mesmo que não leria de novo. Achei que essa seria a melhor forma de retribuir a pessoalidade dela que eu não sabia ao certo de onde vinham os sentimentos mas sabia que eram verdadeiros.

Eu li o conto de novo e já no começo estava chorando, talvez porque eu sabia como ele era e as lágrimas pareciam se debater de algo iminente. Ela também se emocionou, achou que as descrições e os fatos que apareceram eram certeiros em suas descrições. Eu nunca estive tão aberto pra alguém e talvez achei que isso fosse o que ela tivesse sentido com o filme. Pareceu que ambos doaram um pouco de si naquele dia.

Aquela situação que eu tanto reclamava da frieza urbana contemporânea, eu havia transcendido, eu só não sabia que através das lágrimas eu conseguiria enxergar um pouco mais do outro que divido o mundo. Ali eu percebi que algo havia mudado mas eu não sabia bem o quê, parecia aquele momento que vemos um acontecimento grandioso passar por nossos olhos e a gente o encara com olhos inocentes. Nada nos restou a não ser nos abraçar e se preparar para mais um dia.

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