sexta-feira, 30 de setembro de 2011

"A reclusão esquecida"

O homem era recluso e não tinha tempo para diversões, vivia achando que estas faziam perder o tempo e que o sentido de sua vida se remetia sempre a livros e atividades introspectivas. Para ele toda atividade que se envolvia com um quê de "social" acabava expondo algumas fraquezas que ele poderia apresentar ou coisas que lhe incomodavam profundamente.

No dia-a-dia sua rotina consistia em caminhar pela manhã antes do trabalho, e após, suas noites se revezavam entre leitura, escrita, relaxamento e por ai vai, tudo era bem cronometrado. Até que inspirado por um filme que mostrava um personagem muito diferente dele próprio, resolveu usar o olhar crítico e clínico que tanto praticava nas pessoas ao redor, em si mesmo.

E assim ele foi percebendo que muitas das coisas em que havia tido más experiências no passado haviam se tornado grandes referências em sua vida atual. Para ele parecia que o que mais lhe atingia era o que tinha lhe deixado triste por exemplo e assim parecia-lhe que seus caminhos e decisões iam se baseando nos solos aparentemente estáveis da tristeza.

E alguns momentos destas experiências foram voltando para ele. O momento que durante uma reunião de amigos colegiais ele preferiu não rir da piada maldosa, o dia que ele presenciou uma briga de trânsito entre dois homens, o telefonema que seu amigo fez para dizer que não sairia mais com ele porque a namorada não deixou, o dia que ele disse "tudo bem" quando não estava.

Essa revisão de valores o fez perceber que sua situação atual tinha sentido nessa rede de acontecimentos, para alguns ele seria o "amargurado", o "pessimista" e ele só entendia que olhava com cores claras tudo o que se passava em sua frente, porque não via outra forma de ver as coisas a não ser aquela que acompanhava os acontecimentos de sua vida.

Isso então passou a ser uma certeza para ele e os acontecimentos do seu presente eram usados como comparação aos acontecimentos do passado. Ele continuava provando que a conclusão era certa quando percebia que não havia mudança nos fatos, tudo era igual. Então acreditava que quase conseguia prever o futuro as vezes, tinha algumas dúvidas mas no fim uma boa parcela de certeza que conseguiria acertar só de "perceber" o andamento das coisas.

Também se sentia deslocado do lugar que pertencia, que era a sociedade, porque com seus olhares lúcidos enxergava a potencialidade nas pessoas e não as via chegarem próximo de os cumprirem. Achava que porque as coisas tinham tendência de acontecerem assim, vai ver era o normal.

E ele não pensou mais nessa questão, acabou se conformando e entendendo como mais uma das partes que mesmo chatas e tristes, precisamos suportar e continuar levando em frente. Até que isso voltou a aparecer como um pequeno incômodo em sua consciência alguns anos depois.

Ele entendeu que esse incômodo remetia ao assunto porque os mesmos acontecimentos do passado estavam aparecendo de sua memória e ele olhava para os lados se perguntando de onde vinham e se isso indicava alguma camada de dúvida da parte dele.

Isso aconteceu porque ele havia conhecido uma pessoa que como outras que conheceu até então, era simpática, tinham bons momentos juntos, davam risadas e tinham conversas em que o tempo voava e nada mais importava. No intervalo das conversas ele começou a ter aquela dúvida sobre suas certezas e de tantas coisas que havia passado ele começou a acreditar que isso que acontecia agora e que lhe era bom, seria momentâneo e não duraria, era algo triste que esperava para acontecer.

E foi com essa visão despreocupada que ele continuou falando e interagindo com ela sem ter pretensão de onde iam chegar porque também de certa forma se preparava para o pior. Então depois desse momento de "indiferença" ele enxergou momentos de satisfação que iam acontecendo nessa interação e seu inconsciente começou a querer olhar com bons olhos, deixando confuso o que estava sentindo em relação a ela.

Por fim ele tinha certeza do que estava começando a sentir por ela, era uma certa força que brotava num campo em que a esperança não era nem mais bem-vinda. Ele sentia algo porque a pessoa havia desconstruído toda sua vivência triste e dolorida que até então tinham sido sua base de referência em tudo o que fazia. Ele sentia raiva dela porque ela havia mostrado que ainda dava para acreditar nas pessoas.

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