domingo, 13 de outubro de 2013

Adeus despedida

O rapaz estava passando pelos meses mais individuais de um ano que foi muito coletivo. Em linhas gerais foram dois momentos: um relacionamento em que sentia que sua vida estava sendo doada em prol de outra pessoa, e depois uma movimentação política, se fazendo valer em prol de tantos outros.

No primeiro momento, vivendo intensamente em um sentido teórico. Acreditava fielmente naquilo que dizia e naquilo que o movia. Se sentia bem e feliz com isso. Seus planejamentos futuros todos giravam em torno disso. Até que a vida aconteceu para os dois e a incompatibilidade foi-se fazendo cada vez mais aparente. A garota acreditava que o que viveu era falso; e ele acreditou que viveu algo verdadeiro atoa; ambos saíram enjoados.

Já no segundo momento, voltou a exaltação da colocação teórica. Só que o campo a ser aplicado deixou de ser puramente filosófico para também encontrar a sociologia e ciência política. Tudo girava em torno disso e só fazia sentido acreditar fielmente nisso. Eram pensamentos e ações voltados para um planejamento futuro muito concreto; muito parecido com aquele momento anterior.

Acontece que a vida também aconteceu para isso e a poeira abaixo. Os ânimos e ímpetos de ambos os momentos se esvaíram e escorreram. A figura da alteridade, o reconhecimento da pessoa alheia, e sua relação com ela que eram tão claros em ambos os momentos, perderam o sentido. Na verdade muita coisa perdeu o sentido. E o niilismo encontrou um cenário para prosperar.

O rapaz estava vivendo um terceiro momento, mas que achava difícil de classificar, porque todas as referências que ele tinha, eram absurdas para aquele momento atual. O mundo ficou absurdo; e sua existência, mais ainda.

Ele andava na rua e enxergava os passos que dava. O final da rua se tornava quase abstrato, até o ponto que alcançava-o e dava de cara com algo concreto e real. Ele tinha que fazer um esforço para fugir da abstração, porque parecia que o mundo cada vez mais se abstraia e se tornava poeira estelar. Tudo se dissipava no ar.

Ele começou a ter cada vez mais e mais dúvidas. Não sabia mais o que pensava das coisas, e se pensava, por que pensava. No fundo sentia que caiu numa armadilha e que teria que trabalhar um jeito de sair dela. “Só podia ser planejamento maligno de alguém.”

A dúvida era tanto que ele começou a se sentir afastado de tudo. E de todos. A humanidade virou uma categoria abstrata e externa. Ele estava se sentindo um estrangeiro no meio da multidão.

Mas as vezes vinha uma vontade de escrever e transpirar algo que ele sentia ser real e interno. E isso foi diminuindo junto com o resto das coisas que ele sentia. Ele sentia saudade de escrever. Antes tinha o que sentir, hoje, já nem sabia o que sentia.

Até que ele leu um pequeno conto na internet. Era uma pessoa que ele não conhecia direito, havia até cometido uma gafe um dia com ela e sabia quem era a pessoa, só não tinha muito contato. O texto tinha um tom tão poético e criativo que o fazia lembrar dos escritos anteriores dele. Era uma expressão tão sincera, interna e real, que o fez lembrar do tempo em que ele vivia. Mas vivia no sentido de respirar, transpirar, suar e suspirar. Ah, o suspiro.

O suspiro foi o que ele sentiu aquela noite que foi chamado para sair com algumas amigas. Ele estava em um momento tão enclausurado que inicialmente se sentiu sortudo e lisonjeado de ter sido chamado. “Eu?” pensou.

Saiu, e se sentiu ainda desconectado das pessoas, mas ali, nos detalhes, nos gestos, nas risadas, começou novamente a lembrar e sentir uma nostalgia de algo além. E todas pareceram garotas belíssimas pra ele e ele não sabia o que estava fazendo ali.

Novamente, se afastando de um ser que respira, enxergou o seu redor com categorias abstratas. Ele não estava ali, mas era sujeito-que-vê. E elas transpiravam humanidade.

A simpatia de uma, o senso de humor de outra e a criatividade de outra. Tudo borbulhava humanidade. Ele ficou tão apreensivo que falou menos ainda do pouco que já falava. Tinha medo de interferir e trazer o niilismo que estava impregnado em sua cabeça. As vezes ele conseguiu tirar uns sorrisos. Se sentiu alegre.

Naquela noite, toda a estranheza que sentia internamente, a percepção de mundo distorcida, ficou diferente. Ele encontrou humanidade naquela mesa de bar. Mas como todo momento que tem seu fim, todos foram embora juntos. Só ele que voltou para seu lugar. Pegou o carro, virou para a direção de casa e foi. Chegou em casa, abriu a porta do quarto, entrou e fechou. A janela estava aberta e antes de fechá-la, pensou um pouco olhando para o céu.

Naquela noite a janela ficou aberta. Naquele gesto ele sorriu. Naquele suspiro ele sonhou um sonho que não sonhava há tempos. “Quem me dera colocar em palavras esse sentimento de transbordar” pensou antes de fechar os olhos pela penúltima vez. A última vez que fechou os olhos foi dali meia hora. Teve que sentar e escrever um texto, uma história, pra ninguém ler, que só servia para transbordar uma sensação que ele tinha medo de perder.

Um comentário:

  1. Genial o seu texto! Sinto em mim este sentimento de "transbordar", é tão sem descrição que me intriga.

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