quarta-feira, 17 de agosto de 2011

"O desperdício"

Quando ele a conheceu, já sabia quem ela era, tinha uma certa opinião formada mas também estava aberto à deixar que os fatos mostrassem o contrário. Ele havia conhecido ela pela internet através de um blog pessoal que mantinha, o que o fez sentir "invadindo" a privacidade que ela tornava pública através da subjetividade.

Ela, já não sabia quem ele era e o fato de ele ser amigo de amigos aparecia para ela como uma possibilidade grande de confiança. Ela entendia que o rapaz que os amigos conheciam há anos não teria muito motivo para desconfiança porque parte de sua vivência, de sua formação foi compartilhada com os amigos dela, assim, os aproximando.

Aconteceu que o rapaz por ter esse contato prévio dela e seus pensamentos, já imaginava algumas características do caráter dela e também não se imaginava conversando com ela, afinal ele havia montado a personalidade na cabeça dele achando que ela fosse "real" antes mesmo de a conhecer. Mas passaram-se os dias e os acontecimentos procederam que ambos começaram conversar, surpreendendo o rapaz.


As conversas andavam e eram tais que parecia que ambos tinham vidas muito diferentes, mas ao trocarem palavras, davam um caráter compartilhado de suas vidas. Ela era de uma cidade, família e de ideais completamente diferentes das dele e ele continuava conversando e fascinado com essas coisas que se afastavam do então comum e convencional de sua vida.

Chegaram a conversar e se importar a tal ponto que o rapaz agia impulsivamente, sem pensar, para fazê-la bem. Ela havia se tornado algo importante na vida dele, até que ambos sairam em uma noite dessas com um grupo de amigos para conversar e dar risadas, coisa simples.

A cumplicidade dele estava formada que não precisavam estar juntos, mas de longe, saberia quando ela precisasse de atenção, de ajuda, e se precisasse largava a convenção social para ir com ela. Afinal a convenção social apagava na cabeça dele quando ela parecia não estar 100% e ele só voltava a si e agia normalmente quando percebia neste caso que não havia o que fazer mesmo.

Foi nesse dia que ele reparou nela conversando com um homem, este mais velho, com barba e gestos articulados. Ela demonstrava interesse na conversa dele, mas mais ainda começava a demonstrar querer conhecê-lo, querer saber dele, e parecia estar se importando. 

Esse amigo dela apareceu em sua vida mas não sabia do significado dos gestos para ela, não sabia que palavras ela gostaria de ouvir, não sabia quando ela precisaria de ajuda. Ele tampouco queria saber, queria conversar com ela e se limitava às risadas que as palavras geravam no âmbito social.

Isso começou a gerar um mal-estar no rapaz que achava que a compreendia. Não via como um homem daquele iria ganhar a atenção dela, que com seus gestos articulados parecia os ter calculados a ponto de cada movimento esperar uma reação dela, cada olhar ser cuidadosamente direcionado à ela, com por exemplo, alguns segundos de folga para que houvesse uma resposta.

Mas ia passando o tempo e ele de longe percebia que ela sorria com o homem. Ela estava feliz na presença dele e isso é o que deveria ser importante para que ela estivesse bem. O rapaz, sem saber o que fazer aceitava e resignava aos fatos que presenciava. Sentia que a sua vida por ser bem diferente da dela, não teria como entender aquilo que acontecia em sua frente.

Então ele pensou na possibilidade de ser o homem, de encarar uma vida como a dela que lhe importava tanto e ter o compromisso de lidar com tudo como se fosse dele. Fazer tudo que estivesse em seu alcance, falar todas as palavras que a faria bem, sua vida com ela. Mas tudo isso ia se embaçando e tornando abstrato na cabeça dele. 

Sabia do trabalho que teria para lutar por algo assim, uma daquelas coisas que quando acontece a gente sabe que não vai ser esquecido na vida, sua força interna que se movimentaria e não aparentaria desandar. Foi aí que ele se viu pensando que na história de ambos, quem é que sabia as palavras e procurava impulsivamente o bem do outro era ele. O que fez um pensamento já nebuloso, desaparecer.

Isso não impedia de continuar se importando com ela, afinal algo construído não se ignora simplesmente. Assim, ele continuou observando-os e não podia pensar outra coisa senão que aquilo que enxergava entre sua amiga e o homem, se caminhasse como demonstravam as aparências, seria um grande desperdício.

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